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Sombra e água

Finalmente, a jabuticabeira começa um estirão, deixa aquele estágio arbustivo e fica maior do que a dona da casa. Passa do metro e setenta, uns galhos centrais mais eretos e dirigidos ao céu, enquanto outros, mais periféricos, pendem um pouco para todos os lados, formando uma possível copa, embora ainda baixa demais para caber uma pessoa adulta sob sua folhagem verde-escura.

A muda da jabuticabeira não foi adquirida por conta de sua fruta. Todos ao redor advertiam sobre a demora da florada e das jabuticabas, que precisam de água abundante, e aqui... neste terreno seco, pobre, nada haveria de frutificar. A muda foi comprada primeiro porque a dona da casa queria, no futuro, uma sombra. A sombra na varanda era uma espécie de sonho inalcançável, e disseram que, com uma jabuticabeira, neste solo infértil, seria como esperar pela aposentadoria. Demoraria a vida inteira e talvez nem chegasse a tempo de existirem, nesta casa, uma mulher e uma rede, na qual ela se sentaria ou se deitaria para ler um livro ou uma revista ou com um gato cego para acarinhar.

Mas não parece que é o que vai acontecer. Pelo visto, a sombra chegará bem antes da aposentadoria dessa mulher que trabalha diariamente, por três turnos, interrompidos apenas por um pedaço de novela das seis e um café para acordar. A jabuticabeira cresceu mais depois das chuvas abundantes, o que ajudou a confirmar as ambiguidades e os contrassensos do mundo. Enquanto aqui a água alimentou a terra e as raízes de uma sombra frutífera futura, nos bairros ao redor ela levou encostas, fez transbordar o rio, afogou casas e animais de estimação e pessoas, incluindo velhos e crianças em pleno sono. No quintal em que está, a jabuticabeira deu resposta positiva à água que caiu do céu, crescendo mais do que o esperado pela vizinhança inteira, enchendo de alegria a dona da casa, essa mulher que cuida sozinha do filho e que pretende, um dia, habitar mais a própria casa.

Também para desafiar os palpites da vizinhança e dos familiares de pouca fé, a jabuticabeira, ainda bem pequena, começou a dar jabuticabas, mesmo antes de ter um metro e meio, e eram frutas que amadureciam, cresciam, ficavam suculentas e podiam ser consumidas, se alguém as colhesse daquele caule onde nascem grudadas como insetos, depois da floração branca. [...]

Contra todos os palpites da vizinhança e dos poucos familiares com quem ainda conversa pelas redes sociais, a mulher cultiva a jabuticabeira com forte esperança de que seja possível cochilar sob sua sombra um dia; então, não raro, enquanto faz o almoço, a dona da casa dá olhadelas carinhosas para a árvore, já com mais de um metro e setenta de altura e galhos para todos os lados, além do tronco que a eleva e sustenta, e vê florezinhas, depois jabuticabas que, como ninguém colhe, são comidas pelos passarinhos e até por insetos, que descobriram este quintal, esta casa e esta mulher que espera pela jabuticabeira com muito mais esperança e animação do que pela aposentadoria.

A mulher não pode criar seu filho com a dedicação que gostaria, não pode alimentar o gato duas vezes por dia, não consegue regar as mudas com frequência, não está em casa quando o carteiro toca a campainha para entregar correspondências que exigem sua assinatura. Ela acorda muito cedo, faz as entregas do filho, das senhas, das chaves, os acordos com as outras vizinhas, e sai a trabalhar descontente, como provavelmente todas as pessoas do mundo, em especial as que não trabalham para si e para os seus. Ela retorna para o almoço, à tarde muda de endereço profissional, retorna para um café e muda novamente de direção. Nesse exercício de vaivém, quase como uma engrenagem, ela consegue dar olhadelas furtivas para a árvore que se forma no quintal, prometendo algo difícil de comprar, seu maior investimento: sombra e descanso.

Fruem a presença da jabuticabeira borboletas, formigas, passarinhos e mesmo o gato, que cabe embaixo dela e não se importa com a terra molhada ou as folhas em decomposição. Observam a árvore algumas pessoas da vizinhança, numa espécie de aposta controversa, em alguns casos desejando que os galhos sequem, a planta morra, a confirmar as previsões de tão inteligentes pessoas. Outras, no entanto, conseguem ter bons sentimentos e, em pensamento, ficar felizes porque a dona da casa, em alguns tantos anos, haverá de conseguir sua sombra, depois sua rede, onde se deitar com o gato cego e, em paz, morrer.

RIBEIRO, A. E. Sombra e água. Estado de Minas. Belo Horizonte. Disponível em: https://www.em.com.br/cultura/. Acesso em: 6 nov. 2023. Adaptado.

O trecho que, no texto, apresenta sentido conotativo é:
  • A: “para caber uma pessoa adulta sob sua folhagem” (parágrafo 1).
  • B: “Todos ao redor advertiam sobre a demora da florada e das jabuticabas” (parágrafo 2).
  • C: “afogou casas” (parágrafo 3).
  • D: “A jabuticabeira cresceu mais depois das chuvas abundantes” (parágrafo 3).
  • E: “Ela acorda muito cedo” (parágrafo 6).

Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ ruycastro/2023/12/quanto-mais-dificil-melhor.shtml?pwg t=kye73frks3762ppiv3c8ms8agtyutnr6i2zmqyam6pqtcz 5u&utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_ campaign=compwagift. Acesso em: 20 dez. 2023.Adaptado.

O texto escrito por Ruy Castro é uma crônica cujo objetivo principal é
  • A: demonstrar a cientificidade do conceito de meritocracia na vida profissional.
  • B: provar que as deficiências constituem um sério óbice para determinados ofícios.
  • C: enumerar, por meio de casos fictícios, algumas contradições das biografias dos gênios.
  • D: ilustrar, por meio de casos reais, o aparente desencontro entre certas profissões e as supostas deficiências dos que as exerceram.
  • E: defender que a falta dos requisitos básicos certamente compromete o bom desenvolvimento de uma carreira.

Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ ruycastro/2023/12/quanto-mais-dificil-melhor.shtml?pwg t=kye73frks3762ppiv3c8ms8agtyutnr6i2zmqyam6pqtcz 5u&utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_ campaign=compwagift. Acesso em: 20 dez. 2023.Adaptado.

“Este artigo deve me custar uns cinco espirros.”

A partir dessa frase, que encerra o texto, percebe-se que
  • A: “espirros” tem sentido metafórico, representando as “tristezas” por ele mencionadas no texto.
  • B: o autor tem certeza absoluta quanto às consequências de escrever essa crônica.
  • C: o autor entra em crise emocional ao revisitar memórias e espirra cinco vezes contadas.
  • D: o papel usado pelo autor para escrever essa crônica produz nele uma reação alérgica.
  • E: os personagens e as situações a que o cronista se referiu são antigos, como relíquias empoeiradas.

Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ ruycastro/2023/12/quanto-mais-dificil-melhor.shtml?pwg t=kye73frks3762ppiv3c8ms8agtyutnr6i2zmqyam6pqtcz 5u&utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_ campaign=compwagift. Acesso em: 20 dez. 2023.Adaptado.

A pontuação empregada na segunda versão dos trechos transcritos está totalmente adequada à norma-padrão da língua portuguesa em:
  • A: “Isso significa coabitar com poeira, mofo e populações inteiras de fungos.” / Isso significa coabitar com poeira mofo, e populações inteiras de fungos.
  • B: “A cada espirro voam várias gerações de fungos” / A cada espirro voam, várias gerações de fungos.
  • C: “Beethoven era surdo, o que, pelo visto, não lhe fazia diferença” / Beethoven era surdo, o que pelo visto não lhe fazia diferença.
  • D: “Ava Gardner, Grace Kelly e Raquel Welch nunca poderiam ser beijadas por carecas, ainda que galãs”. / Ava Gardner, Grace Kelly e Raquel Welch nunca poderiam ser beijadas por carecas, ainda, que galãs.
  • E: “Este artigo deve me custar uns cinco espirros.” / Este artigo, deve me custar uns cinco espirros.

Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ ruycastro/2023/12/quanto-mais-dificil-melhor.shtml?pwg t=kye73frks3762ppiv3c8ms8agtyutnr6i2zmqyam6pqtcz 5u&utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_ campaign=compwagift. Acesso em: 20 dez. 2023.Adaptado.

Hiperônimos são palavras que pertencem ao mesmo campo semântico de outras, mas que têm um sentido mais amplo, geral e abrangente.

A palavra entre colchetes que cumpre esse papel em relação às que estão enumeradas é:
  • A: Ava Gardner, Grace Kelly e Raquel Welch [escritoras]
  • B: poeira, mofo e fungos [bactérias]
  • C: livros centenários, documentos antigos e recortes amarelados [documentos]
  • D: John Wayne, Humphrey Bogart e Sean Connery [ambientalistas]
  • E: historiadores, bibliotecários e arquivistas [profissionais]

Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ ruycastro/2023/12/quanto-mais-dificil-melhor.shtml?pwg t=kye73frks3762ppiv3c8ms8agtyutnr6i2zmqyam6pqtcz 5u&utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_ campaign=compwagift. Acesso em: 20 dez. 2023.Adaptado.
O acento indicador de crase tem regras para seu uso.

A explicação correta para o sinal de crase NÃO ser usado nos trechos abaixo está presente em:
  • A: (parágrafo 2) “Portinari era alérgico a tintas” – O acento indicativo de crase não é empregado quando a palavra “a” não é uma preposição.
  • B: (parágrafo 1) “é que sou alérgico a bolor” – O acento indicativo de crase não é empregado porque a palavra “a” é um artigo definido.
  • C: (parágrafo 2) “E Garrincha, cujos dribles você sabe, tinha uma perna para dentro e outra para fora, como dois parênteses lado a lado” – não se utiliza o acento indicador de crase em expressões com palavras repetidas ligadas por “a”.
  • D: (parágrafo 3) “E a Harold Lloyd, um dos grandes da comédia no cinema mudo americano, faltavam dois na direita” – não se emprega o acento indicador de crase antes de nome próprio.
  • E: (parágrafo 3) “fazendo ele próprio quase todas as cenas.” – não ocorre crase diante de substantivo feminino plural.

Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ ruycastro/2023/12/quanto-mais-dificil-melhor.shtml?pwg t=kye73frks3762ppiv3c8ms8agtyutnr6i2zmqyam6pqtcz 5u&utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_ campaign=compwagift. Acesso em: 20 dez. 2023.Adaptado.

A frase em que o pronome lhe é empregado com o mesmo valor do que foi usado no trecho do parágrafo 3 “Beethoven era surdo, o que, pelo visto, não lhe fazia diferença.” é:
  • A: Mariana beijou-lhe a face de maneira terna e graciosa.
  • B: Apliquem-lhe uma injeção e retirem-no daqui, por favor.
  • C: As riquezas do mundo lhe pareciam insignificantes.
  • D: Tire-lhe todos os bens e veja se ele manterá a fé.
  • E: Perdoem-lhe as reações estapafúrdias; ele está doente.

Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ ruycastro/2023/12/quanto-mais-dificil-melhor.shtml?pwg t=kye73frks3762ppiv3c8ms8agtyutnr6i2zmqyam6pqtcz 5u&utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_ campaign=compwagift. Acesso em: 20 dez. 2023.Adaptado.

A frase em que o adjetivo apresenta valor afetivo, a exemplo do que ocorre com “imortal”, destacado no trecho do parágrafo 3 “Django Reinhardt, imortal guitarrista do jazz”, é:
  • A: A verdade, meu amigo, é que as pessoas estão muito violentas ultimamente.
  • B: Na aula de ontem, meu professor fez ricas observações sobre o texto.
  • C: Fiquei muito emocionado quando regressei à minha cidade natal.
  • D: Havia uma casa enorme ao lado daquela colina.
  • E: Ele não passa de um recente milionário.

Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ ruycastro/2023/12/quanto-mais-dificil-melhor.shtml?pwg t=kye73frks3762ppiv3c8ms8agtyutnr6i2zmqyam6pqtcz 5u&utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_ campaign=compwagift. Acesso em: 20 dez. 2023.Adaptado.

O último Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa aboliu o uso do trema, mas o manteve em alguns casos.

A palavra que exemplifica uma exceção à abolição do uso desse sinal e, portanto, deve ser escrita com trema, de acordo com a norma-padrão da língua portuguesa, é
  • A: liquidificador
  • B: saudoso
  • C: anhanguera
  • D: adequação
  • E: mulleriano

Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ ruycastro/2023/12/quanto-mais-dificil-melhor.shtml?pwg t=kye73frks3762ppiv3c8ms8agtyutnr6i2zmqyam6pqtcz 5u&utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_ campaign=compwagift. Acesso em: 20 dez. 2023.Adaptado.

A preposição “a”, presente em “E a Harold Lloyd, um dos grandes da comédia no cinema mudo americano, faltavam dois na direita”, seria obrigatoriamente permutada por outra, caso o trecho em negrito fosse reescrito da seguinte forma:
  • A: ...contracenaram os melhores atores.
  • B: ...curvaram-se os mais exigentes críticos.
  • C: ...artistas novatos renderam homenagens.
  • D: ...foram dedicados os melhores papéis.
  • E: ...referiam-se sempre os estudiosos.

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