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Escravo da razão
O grande pensador Montaigne (1533-1592) foi um conservador, mas nada teve de rígido ou estreito, muito menos de dogmático. Por temperamento e razão foi bem o contrário de um revolucionário; certamente faltaram-lhe a fé e a energia de um homem de ação, o idealismo e a vontade. Seu conservadorismo pode ser visto, sob certos aspectos, como o que no século XIX viria a ser chamado de liberalismo. Em sua concepção política o indivíduo é deixado livre dentro do quadro das leis e procura tornar tão leve quanto possível a autoridade do Estado.

Para Montaigne, o melhor governo seria o que menos se faz sentir e assegura a ordem pública sem pôr em perigo a vida privada, e sem pretender orientar os espíritos. Um tal tipo de governo é o que convém a homens esclarecidos, conscientes de seus direitos e deveres, obedientes às leis, homens que agem não por temor, mas por vontade própria.

Escravo da razão, Montaigne transmitiu essa servidão à filosofia que lhe sucedeu e marcou uma linha de desenvolvimento do pensamento ocidental. Com ela, destruiu verdades dogmáticas e mostrou que todas se contradizem, mas deixou aberta a possibilidade de se concluir que a própria contradição possa encerrar uma verdade.
(Extraído do encarte sem indicação autoral do volume MONTAIGNE., da coleção Os Pensadores Porto Alegre: Globo, 1972, p. 223)

A afirmação de que o pensador Montaigne nada teve de rígido ou estreito, muito menos de dogmático, ganha sustentação ao se lembrar que ele
  • A: defendeu a intervenção do Estado na vida privada.
  • B: liberou o pensamento ocidental do peso das contradições.
  • C: deu vazão a ímpetos de rebelião contra as leis de seu tempo.
  • D: foi um conservador a quem faltou a energia da ação.
  • E: antecipou concepções do que viria a ser o liberalismo.

A nuvem
− “Fico admirado como é que você, morando nesta cidade, consegue escrever uma semana inteira sem reclamar, sem protestar, sem espinafrar!”

E meu amigo falou de água, telefone, conta de luz, carne, batata, transporte, custo de vida, buracos na rua etc. etc. etc.

Meu amigo está, como dizem as pessoas exageradas, grávido de razões. Mas que posso fazer? Até que tenho reclamado muito isto e aquilo. Mas se eu for ficar rezingando todo dia, estou roubado: quem é que vai aguentar me ler? Acho que o leitor gosta de ver suas queixas no jornal, mas em termos.

Além disso, a verdade não está apenas nos buracos da rua e outras mazelas. Não é verdade que as amendoeiras neste inverno deram um show luxuoso de folhas vermelhas voando no ar? E ficaria demasiado feio eu confessar que há uma jovem gostando de mim? Ah, bem sei que esses encantamentos de moça por um senhor maduro duram pouco. São caprichos de certa fase. Mas que importa? Esse carinho me faz bem; eu o recebo terna e gravemente; sem melancolia, porque sem ilusão. Ele se irá como veio, leve nuvem solta na brisa, que se tinge um instante de púrpura sobre as cinzas do meu crepúsculo.

E olhem só que tipo estou escrevendo! Tome tenência, velho Braga. Deixe a nuvem, olhe para o chão – e seus tradicionais buracos.
(BRAGA, Rubem. Ai de ti, Copacabana! Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960, pp. 179-180)

Está plenamente adequada a pontuação da seguinte frase:
  • A: Vivendo embora, nos espaços de grandes cidades, Rubem Braga filho de Cachoeiro do Itapemirim, jamais negligenciou a natureza.
  • B: Entre assuntos triviais e observações poéticas, o cronista, via de regra, não hesita em preferir estas últimas, para não chatear seus leitores.
  • C: Assuntos corriqueiros, não faltam a um cronista, já os de teor romântico, dependem de sua disposição de espírito.
  • D: Desde há muito tempo como se sabe, as crônicas frequentam os jornais, como comentários de notícias, ou textos literários.
  • E: Rubem Braga costuma ser um crítico ácido, de suas próprias crônicas, por vezes admitindo injustamente, que se aventura em retórica de mau gosto.

A nuvem
− “Fico admirado como é que você, morando nesta cidade, consegue escrever uma semana inteira sem reclamar, sem protestar, sem espinafrar!”

E meu amigo falou de água, telefone, conta de luz, carne, batata, transporte, custo de vida, buracos na rua etc. etc. etc.

Meu amigo está, como dizem as pessoas exageradas, grávido de razões. Mas que posso fazer? Até que tenho reclamado muito isto e aquilo. Mas se eu for ficar rezingando todo dia, estou roubado: quem é que vai aguentar me ler? Acho que o leitor gosta de ver suas queixas no jornal, mas em termos.

Além disso, a verdade não está apenas nos buracos da rua e outras mazelas. Não é verdade que as amendoeiras neste inverno deram um show luxuoso de folhas vermelhas voando no ar? E ficaria demasiado feio eu confessar que há uma jovem gostando de mim? Ah, bem sei que esses encantamentos de moça por um senhor maduro duram pouco. São caprichos de certa fase. Mas que importa? Esse carinho me faz bem; eu o recebo terna e gravemente; sem melancolia, porque sem ilusão. Ele se irá como veio, leve nuvem solta na brisa, que se tinge um instante de púrpura sobre as cinzas do meu crepúsculo.

E olhem só que tipo estou escrevendo! Tome tenência, velho Braga. Deixe a nuvem, olhe para o chão – e seus tradicionais buracos.
(BRAGA, Rubem. Ai de ti, Copacabana! Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960, pp. 179-180)

Atente para esta passagem em discurso direto:
– Fico admirado como é que você, morando nesta cidade, consegue escrever sem reclamar – disse meu amigo,

Transpondo a passagem acima para o discurso indireto, ela deverá ficar: Meu amigo me disse que
  • A: se admirava pelo modo como eu, morando nesta cidade, conseguia escrever sem reclamar.
  • B: ficaria admirado de mim, morando nesta cidade, conseguindo escrever sem reclamar
  • C: me admirava por eu morar nesta cidade escrevendo sem lhe reclamar.
  • D: admiro muito que você more nesta cidade e consiga escrever sem reclamar.
  • E: eu era de admirar, uma vez que morando nesta cidade, como é que alguém fica sem reclamar?

A nuvem
− “Fico admirado como é que você, morando nesta cidade, consegue escrever uma semana inteira sem reclamar, sem protestar, sem espinafrar!”

E meu amigo falou de água, telefone, conta de luz, carne, batata, transporte, custo de vida, buracos na rua etc. etc. etc.

Meu amigo está, como dizem as pessoas exageradas, grávido de razões. Mas que posso fazer? Até que tenho reclamado muito isto e aquilo. Mas se eu for ficar rezingando todo dia, estou roubado: quem é que vai aguentar me ler? Acho que o leitor gosta de ver suas queixas no jornal, mas em termos.

Além disso, a verdade não está apenas nos buracos da rua e outras mazelas. Não é verdade que as amendoeiras neste inverno deram um show luxuoso de folhas vermelhas voando no ar? E ficaria demasiado feio eu confessar que há uma jovem gostando de mim? Ah, bem sei que esses encantamentos de moça por um senhor maduro duram pouco. São caprichos de certa fase. Mas que importa? Esse carinho me faz bem; eu o recebo terna e gravemente; sem melancolia, porque sem ilusão. Ele se irá como veio, leve nuvem solta na brisa, que se tinge um instante de púrpura sobre as cinzas do meu crepúsculo.

E olhem só que tipo estou escrevendo! Tome tenência, velho Braga. Deixe a nuvem, olhe para o chão – e seus tradicionais buracos.
(BRAGA, Rubem. Ai de ti, Copacabana! Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960, pp. 179-180)

Considerando-se o contexto, traduz-se adequadamente o sentido de um segmento do texto em:
  • A: Tome tenência (5º parágrafo) = Cuide de se relaxar
  • B: grávido de razões (3º parágrafo) = assoberbado de queixas
  • C: mas em termos (3º parágrafo) = ainda que sem restrições
  • D: deram um show luxuoso (4º parágrafo) = montaram um espetáculo faustoso
  • E: caprichos de certa fase (4º parágrafo) = descuidos efêmeros

A nuvem
− “Fico admirado como é que você, morando nesta cidade, consegue escrever uma semana inteira sem reclamar, sem protestar, sem espinafrar!”

E meu amigo falou de água, telefone, conta de luz, carne, batata, transporte, custo de vida, buracos na rua etc. etc. etc.

Meu amigo está, como dizem as pessoas exageradas, grávido de razões. Mas que posso fazer? Até que tenho reclamado muito isto e aquilo. Mas se eu for ficar rezingando todo dia, estou roubado: quem é que vai aguentar me ler? Acho que o leitor gosta de ver suas queixas no jornal, mas em termos.

Além disso, a verdade não está apenas nos buracos da rua e outras mazelas. Não é verdade que as amendoeiras neste inverno deram um show luxuoso de folhas vermelhas voando no ar? E ficaria demasiado feio eu confessar que há uma jovem gostando de mim? Ah, bem sei que esses encantamentos de moça por um senhor maduro duram pouco. São caprichos de certa fase. Mas que importa? Esse carinho me faz bem; eu o recebo terna e gravemente; sem melancolia, porque sem ilusão. Ele se irá como veio, leve nuvem solta na brisa, que se tinge um instante de púrpura sobre as cinzas do meu crepúsculo.

E olhem só que tipo estou escrevendo! Tome tenência, velho Braga. Deixe a nuvem, olhe para o chão – e seus tradicionais buracos.
(BRAGA, Rubem. Ai de ti, Copacabana! Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960, pp. 179-180)

Há emprego de uma personificação na frase:
  • A: Esse carinho me faz bem.
  • B: E meu amigo falou de água, telefone, conta de luz.
  • C: Até que tenho reclamado muito isto e aquilo.
  • D: a verdade não está apenas nos buracos da rua.
  • E: as amendoeiras neste inverno deram um show luxuoso.

A nuvem
− “Fico admirado como é que você, morando nesta cidade, consegue escrever uma semana inteira sem reclamar, sem protestar, sem espinafrar!”

E meu amigo falou de água, telefone, conta de luz, carne, batata, transporte, custo de vida, buracos na rua etc. etc. etc.

Meu amigo está, como dizem as pessoas exageradas, grávido de razões. Mas que posso fazer? Até que tenho reclamado muito isto e aquilo. Mas se eu for ficar rezingando todo dia, estou roubado: quem é que vai aguentar me ler? Acho que o leitor gosta de ver suas queixas no jornal, mas em termos.

Além disso, a verdade não está apenas nos buracos da rua e outras mazelas. Não é verdade que as amendoeiras neste inverno deram um show luxuoso de folhas vermelhas voando no ar? E ficaria demasiado feio eu confessar que há uma jovem gostando de mim? Ah, bem sei que esses encantamentos de moça por um senhor maduro duram pouco. São caprichos de certa fase. Mas que importa? Esse carinho me faz bem; eu o recebo terna e gravemente; sem melancolia, porque sem ilusão. Ele se irá como veio, leve nuvem solta na brisa, que se tinge um instante de púrpura sobre as cinzas do meu crepúsculo.

E olhem só que tipo estou escrevendo! Tome tenência, velho Braga. Deixe a nuvem, olhe para o chão – e seus tradicionais buracos.
(BRAGA, Rubem. Ai de ti, Copacabana! Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960, pp. 179-180)

O cronista Rubem Braga, comentando o teor de suas crônicas publicadas no jornal, admite que
  • A: cultiva um estilo de linguagem pelo qual o que há de mais prosaico na cidade ganha melhor expressão.
  • B: trata melhor dos detalhes próprios da vida urbana do que do bucolismo dos leitores mais conservadores.
  • C: cuida de jamais aborrecer seu público com algum excesso poético, restringindo-se ao realismo da rotina.
  • D: se preocupa por vezes excessivamente com os problemas municipais, em vez de se dedicar a temas mais amplos.
  • E: prefere relevar os aspectos mais positivos da vida emocional, em vez de sublinhar os negativos.

A nuvem
− “Fico admirado como é que você, morando nesta cidade, consegue escrever uma semana inteira sem reclamar, sem protestar, sem espinafrar!”

E meu amigo falou de água, telefone, conta de luz, carne, batata, transporte, custo de vida, buracos na rua etc. etc. etc.

Meu amigo está, como dizem as pessoas exageradas, grávido de razões. Mas que posso fazer? Até que tenho reclamado muito isto e aquilo. Mas se eu for ficar rezingando todo dia, estou roubado: quem é que vai aguentar me ler? Acho que o leitor gosta de ver suas queixas no jornal, mas em termos.

Além disso, a verdade não está apenas nos buracos da rua e outras mazelas. Não é verdade que as amendoeiras neste inverno deram um show luxuoso de folhas vermelhas voando no ar? E ficaria demasiado feio eu confessar que há uma jovem gostando de mim? Ah, bem sei que esses encantamentos de moça por um senhor maduro duram pouco. São caprichos de certa fase. Mas que importa? Esse carinho me faz bem; eu o recebo terna e gravemente; sem melancolia, porque sem ilusão. Ele se irá como veio, leve nuvem solta na brisa, que se tinge um instante de púrpura sobre as cinzas do meu crepúsculo.

E olhem só que tipo estou escrevendo! Tome tenência, velho Braga. Deixe a nuvem, olhe para o chão – e seus tradicionais buracos.
(BRAGA, Rubem. Ai de ti, Copacabana! Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960, pp. 179-180)

Esse carinho me faz bem; eu o recebo terna e gravemente; sem melancolia, porque sem ilusão.

No excerto acima, o cronista considera que
  • A: a frouxa ilusão que tem quanto aos carinhos recebidos faz com que sua melancolia arrefeça aos poucos.
  • B: a melancolia de um carinho, mesmo acolhida com ilusório respeito, faz bem ao seu coração.
  • C: recebe um carinho com doçura e maduro respeito, poupando-se da melancolia que advém das ilusões.
  • D: sua desilusão, embora funda e grave, mescla-se aos carinhos de sua vida, e acaba por lhe fazer bem.
  • E: acolhe o carinho que lhe faz bem, embora sem a gravidade de quem permite iludir-se com a melancolia.

O que será da escrita sem solidão?

Já não resta na minha vida nenhuma solidão. Me pergunto se haverá solidão em algum lugar, se alguém é ainda capaz de estar só, de alcançar um estado de solidão. Não me refiro, claro, à penúria afetiva, ao abandono, ao desamparo, males diários que se encontram por toda parte, no meio da multidão. Penso mais num silêncio dilatado, vasto, num silêncio que é a ausência de notícias, de palavras, de ruídos. Penso num retiro íntimo, um lugar em que já não se ouça a respiração ofegante do mundo.

Andei lendo Escrever, de Marguerite Duras, um relato de como ela construiu para si uma solidão densa, de como só assim se tornou capaz de escrever. “A solidão é aquilo sem o qual não fazemos nada”, ela diz. “Aquilo sem o qual já não vemos nada.” Para a escrita, nada seria mais necessário que a solidão, algum grau de asilo pessoal seria sua condição imprescindível. Fiquei pensando o que será da escrita quando já não houver, em absoluto, a solidão. Fiquei pensando o que será da leitura quando não houver, em absoluto, silêncio.

Por anos, escrever me exigiu uma busca irrequieta por espaços calmos, espaços isolados do alvoroço que nos cerca, que nos acossa. Quando não consegui construir a solidão em minha casa, me refugiei no consultório abandonado do meu pai, me exilei em outro país, no apartamento dos meus avós mortos, me recolhi em cantos ocultos de bibliotecas. Como se não pudesse ser visto, como se escrever fosse uma subversão, um segredo.

A esta altura desisti de estar só. Me falta tempo para essas fugas, e já percebi que o mundo dispõe de fartos recursos para me achar onde quer que eu esteja. Quando consigo ignorar seus apelos, ouço minhas filhas no quarto ao lado, brincando, rindo, cogito me juntar a elas e me reprimo. Escrever deixou de ser ato subversivo e passou a ser, por vezes, cruel: ignoro minha filha que esmurra a porta e clama pelo pai enquanto não termino a frase de vez. Quando elas partem, ainda não há solidão: a casa reverbera os seus gritos, recria sua presença em infinitos objetos. Nesta casa nunca mais haverá solidão, e tudo o que eu escrever aqui trará essa marca indelével.
(Adaptado de: FUKS, Julián. Lembremos do futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2022, p. 119-120)

Está correta a nova redação de um segmento do texto em
  • A: desisti de estar só = renunciei a estar só
  • B: ainda é capaz de estar só = ainda está apto à ser só
  • C: não me refiro à penúria = não me atenho pela penúria
  • D: uma busca por espaços = uma demanda aos espaços
  • E: espaços isolados do alvoroço = espaços alheios no alvoroço

O que será da escrita sem solidão?

Já não resta na minha vida nenhuma solidão. Me pergunto se haverá solidão em algum lugar, se alguém é ainda capaz de estar só, de alcançar um estado de solidão. Não me refiro, claro, à penúria afetiva, ao abandono, ao desamparo, males diários que se encontram por toda parte, no meio da multidão. Penso mais num silêncio dilatado, vasto, num silêncio que é a ausência de notícias, de palavras, de ruídos. Penso num retiro íntimo, um lugar em que já não se ouça a respiração ofegante do mundo.

Andei lendo Escrever, de Marguerite Duras, um relato de como ela construiu para si uma solidão densa, de como só assim se tornou capaz de escrever. “A solidão é aquilo sem o qual não fazemos nada”, ela diz. “Aquilo sem o qual já não vemos nada.” Para a escrita, nada seria mais necessário que a solidão, algum grau de asilo pessoal seria sua condição imprescindível. Fiquei pensando o que será da escrita quando já não houver, em absoluto, a solidão. Fiquei pensando o que será da leitura quando não houver, em absoluto, silêncio.

Por anos, escrever me exigiu uma busca irrequieta por espaços calmos, espaços isolados do alvoroço que nos cerca, que nos acossa. Quando não consegui construir a solidão em minha casa, me refugiei no consultório abandonado do meu pai, me exilei em outro país, no apartamento dos meus avós mortos, me recolhi em cantos ocultos de bibliotecas. Como se não pudesse ser visto, como se escrever fosse uma subversão, um segredo.

A esta altura desisti de estar só. Me falta tempo para essas fugas, e já percebi que o mundo dispõe de fartos recursos para me achar onde quer que eu esteja. Quando consigo ignorar seus apelos, ouço minhas filhas no quarto ao lado, brincando, rindo, cogito me juntar a elas e me reprimo. Escrever deixou de ser ato subversivo e passou a ser, por vezes, cruel: ignoro minha filha que esmurra a porta e clama pelo pai enquanto não termino a frase de vez. Quando elas partem, ainda não há solidão: a casa reverbera os seus gritos, recria sua presença em infinitos objetos. Nesta casa nunca mais haverá solidão, e tudo o que eu escrever aqui trará essa marca indelével.
(Adaptado de: FUKS, Julián. Lembremos do futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2022, p. 119-120)

A concordância verbal está plenamente observada na frase:
  • A: Aos gritos das crianças sucediam-se, por vezes, a reverberação de ecos que iam marcando minha escrita.
  • B: Já não me restam nestes novos momentos senão concordar que as experiências de solidão tornaram-se impossíveis.
  • C: As frases em que a grande Marguerite Duras brindaram a importância da solidão ressoam em mim até hoje.
  • D: Uma busca obsessiva por espaços e recantos solitários condicionavam minha necessidade de escrever.
  • E: Somente algum refúgio nos espaços isolados de asilos voluntários permitia-me momentos de criação.

O que será da escrita sem solidão?

Já não resta na minha vida nenhuma solidão. Me pergunto se haverá solidão em algum lugar, se alguém é ainda capaz de estar só, de alcançar um estado de solidão. Não me refiro, claro, à penúria afetiva, ao abandono, ao desamparo, males diários que se encontram por toda parte, no meio da multidão. Penso mais num silêncio dilatado, vasto, num silêncio que é a ausência de notícias, de palavras, de ruídos. Penso num retiro íntimo, um lugar em que já não se ouça a respiração ofegante do mundo.

Andei lendo Escrever, de Marguerite Duras, um relato de como ela construiu para si uma solidão densa, de como só assim se tornou capaz de escrever. “A solidão é aquilo sem o qual não fazemos nada”, ela diz. “Aquilo sem o qual já não vemos nada.” Para a escrita, nada seria mais necessário que a solidão, algum grau de asilo pessoal seria sua condição imprescindível. Fiquei pensando o que será da escrita quando já não houver, em absoluto, a solidão. Fiquei pensando o que será da leitura quando não houver, em absoluto, silêncio.

Por anos, escrever me exigiu uma busca irrequieta por espaços calmos, espaços isolados do alvoroço que nos cerca, que nos acossa. Quando não consegui construir a solidão em minha casa, me refugiei no consultório abandonado do meu pai, me exilei em outro país, no apartamento dos meus avós mortos, me recolhi em cantos ocultos de bibliotecas. Como se não pudesse ser visto, como se escrever fosse uma subversão, um segredo.

A esta altura desisti de estar só. Me falta tempo para essas fugas, e já percebi que o mundo dispõe de fartos recursos para me achar onde quer que eu esteja. Quando consigo ignorar seus apelos, ouço minhas filhas no quarto ao lado, brincando, rindo, cogito me juntar a elas e me reprimo. Escrever deixou de ser ato subversivo e passou a ser, por vezes, cruel: ignoro minha filha que esmurra a porta e clama pelo pai enquanto não termino a frase de vez. Quando elas partem, ainda não há solidão: a casa reverbera os seus gritos, recria sua presença em infinitos objetos. Nesta casa nunca mais haverá solidão, e tudo o que eu escrever aqui trará essa marca indelével.
(Adaptado de: FUKS, Julián. Lembremos do futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2022, p. 119-120)

Um segmento do texto tem seu sentido corretamente interpretado no seguinte caso:
  • A: trará essa marca indelével (4º parágrafo) = advirá desse estigma insondável
  • B: Penso mais num silêncio dilatado (1º parágrafo) = Cogito sobretudo um silenciar expandido
  • C: algum grau de asilo pessoal (2º parágrafo) = um certo nível de intimidação recolhida
  • D: como se escrever fosse uma subversão (3º parágrafo) = sendo de tal forma penosa uma escritura
  • E: o mundo dispõe de fartos recursos (4º parágrafo) = retiram-se da vida inúmeros expedientes

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