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A CULTURA DO ESTUPOR

Por Lucio Carvalho

  Pelo menos que eu saiba, felizmente não vivo nem perto da cultura do estupro, mas vivo, sim, dentro da cultura do estupor. Vivemos todos.
  Não ouço piadas machistas. Não consumo nem ouço músicas apelativas ou com conteúdo violento nem sobre a mulher nem sobre ninguém. Não dou legitimidade nem por hipótese a preconceitos, seja de que espécie forem. Entretanto, porque não viva em contato direto com ela, a tal cultura do estupro, não é por isso que vou dizer que não exista. E isso porque esse é o mesmo comportamento negacionista de quem vive na cultura do estupor e não percebe.
  A cultura do estupor é quase o mesmo que a cultura da indiferença, com a diferença de que ela implica numa espécie de assombro perpétuo perpetuamente sem ação, estéril, de quem não age, de quem não toma qualquer atitude, de quem tem toneladas de informação, mas ação que é bom, quase nenhuma. Na cultura da indiferença, por outro lado, há uma escolha prévia, o que a torna ainda mais comprometedora, pelo menos no que diz respeito as mentalidades. Dessa eu não vivo dentro, mas fatalmente vivo perto, porque em alguma medida todo mundo vive. Uns mais, outros menos.
  Não estou querendo dizer que a cultura do estupor é mais grave que a do estupro porque não é, mas elas têm entre si um alto grau de parentesco, se é que uma não está contida na outra. Só que, enquanto uma vítima de estupro se vê forçada a reinventar a própria vida, na cultura do estupor às vítimas resta apenas trocar a fonte, o canal ou o link dos terrores diários. Sair e voltar a entrar no Facebook, por exemplo.
  Mesmo dentro disso que chamo de cultura do estupor parece haver graus variados de acometimento. Pode ir do embasbacamento à inconsciência. Da surpresa à alienação. Da imobilidade à dessensibilização completa. Da empatia seletiva à misantropia, essa que parece ser sua forma mais extremada.
  Confesso que tive de ler bastante sobre tudo o que se divulgou sobre a cultura do estupro após o trágico evento do RJ para entender como é que isso me afetava e a resposta que encontrei é que, como a maioria dos homens, pelo menos os que não tiveram a sombra do estupro rondando sua vida, é um assunto quase extraterreno. É como uma hipótese sobre a qual não se quer nem pensar. Mas isso é assim porque não estamos no lugar de ser sem mais nem menos uma vítima ocasional da situação e por isso minimizamos o horror alheio, submersos na cultura do estupor.
  De certa maneira, eu penso que o bombardeio dos últimos dias, em sua extensa maioria feita por mulheres, foi providencial e embora acredite na necessidade de uma política penal eficiente contra os criminosos, é preciso vencer o estupor social. Denunciar e não só denunciar, não permitir a impunidade, desnormalizar a violência de gênero. Não se trata apenas de empatia, mas de um compromisso do laço humano em não fechar-se em si mesmo e na sua perspectiva individual. Nesse ponto de vista, a questão de violência de gênero é até primária e simples demais, mas é justamente (e não coincidentemente) dela, da integridade do corpo feminino, que viemos todos.
  Lembro ainda que, assim como o estupro, violências sexuais acontecem diariamente – quase sempre na invisibilidade – contra pessoas com deficiência (especialmente a intelectual), crianças de qualquer sexo, gays, travestis, transgêneros, idosos e quaisquer pessoas em situação de vulnerabilidade. A violência é uma excrescência do convívio social e deve ser punida e combatida em sua origem, sob pena de sua permanente reprodução.
  A questão é bem mais complexa que um meme. Embora se assuma rápida e repetidamente a atribuição de culpabilização social e se deseje fazer crer que esta seria uma característica encruada na sociedade brasileira, eu discordo dessa ideia. Penso que não existe este ente coletivo: a sociedade brasileira. Existem sociedades brasileiras. No plural. E a exacerbação da violência costuma acontecer em territórios conflagrados, não necessariamente os periféricos.
  Discordo que a violência seja um traço cultural da sociedade brasileira, população acostumada a enfrentar violências e privações seculares sem maiores registros de levantes e revoltas populares. A violência extremada implica um complexo dinâmico envolvendo tanto a expressão do ódio quanto ao escasso cerceamento moral. Não por acaso costuma ocorrer contra segmentos vulneráveis, como os indígenas e moradores de rua eventualmente incinerados em espaços públicos, contra prostitutas e contra pessoas sem qualquer defesa.
  Não se trata de invocar aqui mais uma vez a platitude da necessidade de investimento em educação, mas na de uma educação humanizante, cujos resultados não visem meramente o sucesso econômico e social, mas o aprendizado do humano, suas pulsões e de uma ética capaz de garantir, ou pelo menos promover, a integridade de todos e o respeito ao sujeito e às individualidades.
  Ainda assim, apenas o investimento em educação pública poderia de fato reverter a banalização da violência e substituí-la por acesso a outros e mais complexos elementos culturais. É bem pouco simples, porque a cultura da violência parece também ser uma mimese de uma cultura de poder. Ou seja, reproduz-se com argumentos precários e de dominação violenta aquilo que em outras esferas econômicas e culturais está dito e representado de outra maneira, mas de uma forma essencialmente idêntica, que é a preponderância do poder econômico e sua simbologia.
  Seja como for, é preciso seguir o exemplo das mulheres que, diante do horror de uma situação inadmissível como a que se repetiu recentemente no RJ, romperam justamente a acachapante cultura do estupor, como se irrompendo de dentro de uma bolha estourada. É absolutamente triste que precisemos de casos tão extremados para fazê-lo, mas esse é justamente o indicativo do alto grau de naturalização cultural da violência social em que vivemos todos.
  A cultura do estupor funciona como a película dessa bolha, abrigando em seu interior diversos tipos de violência, entre as quais a de gênero e a própria cultura do estupro. Se regularmente é possível viver em seu interior longe de uma ou de outra, mais ou menos repugnante, é de perguntar como podemos nos abrigar dentro disso e com estes mesmos valores. E como e por que razões, uma vez saídos dali, desejaríamos voltar. A multiplicação de denúncias e o expurgo coletivo em função do crime de estupro coletivo, dessa vez no RJ, que não deveria ter existido nem sequer ter nenhuma função social, eu quero crer que pelo menos serviu para nos mostrar o quão hediondo é ter de viver sob a cultura do estupor e o quanto nos habituamos e dessensibilizamos em suas muitas derivações violentas.

Texto adaptado. Fonte: http://www.inclusive.org.br/arquivos/29417




Assinale a alternativa correta quanto ao que se afirma entre parênteses a respeito dos elementos coesivos em destaque.

  • A: “Entretanto, porque não viva em contato direto com ela, a tal cultura do estupro, não é por isso que vou dizer que não exista. E isso porque esse é o mesmo comportamento negacionista de quem vive na cultura do estupor e não percebe”. (retomam o mesmo ref
  • B: Seja como for, é preciso seguir o exemplo das mulheres que, diante do horror de uma situação inadmissível como a que se repetiu recentemente no RJ, romperam justamente a acachapante cultura do estupor.” (retoma “mulheres”).
  • C: “Na cultura da indiferença, por outro lado, há uma escolha prévia, o que a torna ainda mais comprometedora [...]” (retoma “cultura da indiferença”).
  • D: “Nesse ponto de vista, a questão de violência de gênero é até primária e simples demais, mas é justamente (e não coincidentemente) dela, da integridade do corpo feminino, que viemos todos.” (remete à “violência de gênero”).
  • E: “A violência é uma excrescência do convívio social e deve ser punida e combatida em sua origem, sob pena de sua permanente reprodução.” (retoma “origem”).


    POR QUE VOCÊ TAMBÉM DEVE IR AO CINEMA (E A OUTROS PROGRAMAS) SOZINHO
     Não tenha medo da solidão
      Você costuma ir ao cinema sozinho? E a shows? Que tal um jantar em um restaurante – mas #foreveralone? Existem aqueles que responderiam sim, sem hesitar. Agora há outras pessoas que entram em pânico só de pensar em se sentar em meio a gente que, ao contrário delas, estão acompanhadas.

Mas uma pesquisa publicada no Journal of Consumer Research sugere que todas essas pessoas que acham que se sentiriam constrangidas jantando ou indo ao cinema sozinhas podem estar erradas. Estaríamos simplesmente perdendo a oportunidade de fazer uma atividade legal por medo.

A pesquisa, feita por cientistas das universidades de Maryland e Georgetown, reuniu dados em cinco experimentos. Quatro deles foram questionários em que voluntários deveriam responder se preferiam fazer determinadas atividades sozinhos ou em grupos e o quinto foi uma tentativa real de tirar as pessoas de sua zona de conforto.

Os resultados mostraram que pessoas preferem fazer atividades práticas sozinhas e atividades hedônicas (as voltadas ao prazer e à diversão) acompanhadas. O motivo, quase unanimidade, é o medo de que outras pessoas achem, ao ver alguém sozinho no cinema, por exemplo, que essa pessoa não tem amigos para acompanhá-la.

Mas a boa notícia (além do fato de que essa preocupação não tem nada a ver) é que existem formas de fazer as pessoas se sentirem mais confortáveis ao realizar uma atividade hedônica sozinhas. A pesquisa apontou que pessoas se sentiam menos desconfortáveis em estar sozinhas em um café, por exemplo, se estivessem lendo um livro – o que dá a ilusão de um propósito a elas.

Isso soa bobo, convenhamos, até para quem tem medo de ser visto sozinho. Afinal, por que outra pessoa se importaria com alguém sem companhia em um café/jantar/cinema? E por que o livro ou o jornal ou a revista [...] magicamente protegeria desse julgamento? [...] Então na última parte da pesquisa, os cientistas tentaram entender melhor esse mecanismo. Estudantes foram separados em pequenos grupos, ou sozinhos, e foram encarregados de visitar uma galeria de arte por 10 minutos.

Os participantes deveriam dizer, antes, o quanto achavam que se divertiriam e, depois da visita, dar uma nota para a experiência. Como esperado, pessoas que estavam sozinhas disseram ter expectativas menores para a visita, mas o resultado final foi bem diferente das previsões. Tanto as pessoas em grupo quanto as desacompanhadas tiveram experiências similares na galeria, mostrando que, apesar das expectativas baixas, é possível, sim, se divertir sozinho.

Agora os cientistas querem analisar a recepção de pessoas que veem outras sozinhas. Será que o julgamento realmente acontece?

De qualquer forma, os pesquisadores acham importante ressaltar que esse medo de “parecer sem amigos” deve ser superado mesmo por quem realmente tem poucos amigos. Afinal, sair é uma forma de conhecer pessoas – e de não entrar em um ciclo vicioso de não sair por não ter amigos e não fazer amigos por não sair de casa.

Adaptado de:<http://revistagalileu.globo.com/Life-Hacks/noticia/2015/07/por-que-voce-tambem-deve-ir-ao-cinema-e-outros-programas-sozinho.html?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_ campaign=post>. Acesso em: 17 out. 2016.




No que se refere aos recursos coesivos presentes no texto, assinale a alternativa correta. 

  • A: No excerto “Quatro deles foram questionários em que voluntários deveriam responder se preferiam fazer determinadas atividades sozinhos ou em grupos [...], o termo em destaque se refere a “experimentos” e pode ser substituído pela expressão “desses experi
  • B: Em “[...] (além do fato de que essa preocupação não tem nada a ver) [...]”, a expressão em destaque refere-se ao medo que as pessoas têm de sair sozinhas.
  • C: No trecho “[...] dar uma nota para a experiência.”, a expressão em destaque foi utilizada para se referir à visita que os participantes da pesquisa fizeram, sozinhos ou acompanhados, à galeria de arte.
  • D: No excerto “Então na última parte da pesquisa, os cientistas tentaram entender melhor esse mecanismo.”, a expressão em destaque foi utilizada para antecipar uma informação que ainda não apareceu no texto.
  • E: Em “[...] magicamente protegeria desse julgamento?” a expressão em destaque refere-se ao medo que as pessoas têm de sair sozinhas.

A substituição do termo destacado pelo pronome oblíquo adequado está de acordo com a norma-padrão em:
  • A: “Arranje uma dessas listas” (l 32-33) – Arranje-lhes
  • B: “fica aqui um convite” (l 31-32) – fica-o aqui
  • C: “listando as cem coisas” (l 1) – Listando-as
  • D: “Eu prefiro encarar a morte” (l 6-7) – Encarar-lhe
  • E: “Falta muito ainda” (l15) – Falta-o ainda


Substituindo-se o complemento verbal destacado pelo pronome oblíquo correspondente, observa-se um caso de próclise obrigatória em:
  • A: “aquelas que acolheram os princípios do Estado Democrático de Direito” (l. 8-9)
  • B: “Em 2008, escrevi um artigo para celebrar os 60 anos da declaração” (l. 24-25)
  • C: “fabricam os espaços da literatura, do econômico, do político” (l. 54-55)
  • D: “A vigilância deve adquirir aquela solidez própria da turba enfurecida” (l. 73-74)
  • E: “Mas as transformações econômicas das sociedades modernas suscitaram o bloqueio” (l. 84-85)

Em relação aos pronomes destacados em “[...] a Assembleia emitiu um decreto pelo qual não era admissível expor o povo francês à visão de ‘monumentos elevados ao orgulho, ao preconceito e à tirania’ – melhor seria destruí-los.” e em “Será que é possível apreciá-la sem riscos morais?”, é correto afirmar que
  • A: ambos estão em posição proclítica.
  • B: ambos referenciam o objeto direto do verbo ao qual se anexam
  • C: poderiam ser substituídos, respectivamente, por lhes e lhe.
  • D: ambos referenciam o objeto indireto do verbo ao qual se anexam.
  • E: ambos poderiam ser retirados do texto sem prejuízos sintáticos e para a compreensão deste

No que se refere aos recursos coesivos presentes no texto, assinale a alternativa correta.
  • A: No excerto “Quatro deles foram questionários em que voluntários deveriam responder se preferiam fazer determinadas atividades sozinhos ou em grupos [...], o termo em destaque se refere a “experimentos” e pode ser substituído pela expressão “desses experi
  • B: Em “[...] (além do fato de que essa preocupação não tem nada a ver) [...]”, a expressão em destaque refere-se ao medo que as pessoas têm de sair sozinhas.
  • C: No trecho “[...] dar uma nota para a experiência.”, a expressão em destaque foi utilizada para se referir à visita que os participantes da pesquisa fizeram, sozinhos ou acompanhados, à galeria de arte.
  • D: No excerto “Então na última parte da pesquisa, os cientistas tentaram entender melhor esse mecanismo.”, a expressão em destaque foi utilizada para antecipar uma informação que ainda não apareceu no texto.
  • E: Em “[...] magicamente protegeria desse julgamento?” a expressão em destaque refere-se ao medo que as pessoas têm de sair sozinhas.

Em relação às afirmações apresentadas a seguir, considerando para tanto a leitura do texto, assinale apenas a alternativa completamente correta.
  • A: No excerto “Naquela época, eu lia “L’Unità” e, a cada dia, identificava-me com o editorial.”, a expressão “naquela época” se refere à fase em que o autor do texto lia as notícias no feed do Facebook.
  • B: No excerto “Eles estão mais na imprensa tradicional [...]”, o pronome “eles” poderia ser substituído, sem prejuízos para o sentido expresso no texto, por “Os leitores”
  • C: No excerto “[...] somos nós que, ao confeccionar um jornal de nossas notícias preferidas, criamos nosso próprio isolamento e vivemos nele.”, o termo “nele” se refere a “jornal”.
  • D: No excerto “Nesses segundos jornais, eu verificava os fatos [...]”, a expressão “nesses segundos jornais” se refere ao segundo jornal que o autor do texto lia diariamente, durante a sua juventude, juntamente com a leitura do “L’Unità”.
  • E: No excerto “Essa vontade é a mesma que tínhamos no meu tempo de juventude [...]”, a expressão “essa vontade” se refere à vontade que o autor tinha, na juventude, de se manter imparcialmente bem informado.

Referente ao trecho “Eu mesmo me surpreendo: em geral, acho chatérrimos os profetas do apocalipse, que estão com medo de que o mundo se torne líquido ou coisa que valha.”, é correto afirmar que
  • A: a palavra “surpreendo” possui tanto encontro consonantal quanto dígrafo e “profetas” está flexionada no feminino plural.
  • B: a palavra “mesmo” é invariável e tanto a palavra “apocalipse” quanto a palavra “profetas” possuem dígrafo
  • C: a expressão “em geral” pode ser substituída, sem prejuízo de valor para a compreensão do texto, pela palavra “geralmente” e as palavras “chatérrimos” e “líquido” têm acentuação justificada pela mesma regra.
  • D: o verbo “acho” é transitivo direto e o verbo “surpreendo” está na forma nominal do particípio passado.
  • E: tanto a expressão “me surpreendo” como a expressão “se torne” são reflexivas, ou seja, o sujeito pratica e, ao mesmo tempo, sofre a ação e o sujeito do verbo “estão” é “chatérrimos”.

SOMOS OS MAIORES INIMIGOS DE NOSSA POSSIBILIDADE DE PENSAR

                                                                                                  Contardo Calligaris

Um ano atrás, decidi seguir os conselhos de meu filho e abri uma conta no Facebook. A conta é no nome da cachorra pointer que foi minha grande companheira nos anos 1970 e funciona assim: ninguém sabe que é minha conta, não tenho amigos, não posto nada e não converso com ninguém. Uso o Face apenas para selecionar um “feed” de notícias, que são minha primeira leitura rápida de cada dia.

Meu plano era acordar e verificar imediatamente os editoriais e as chamadas dos jornais, sites, blogs que escolhi e, claro, percorrer a opinião de meus colunistas preferidos, nos EUA e na Europa. Alguns links eu abriria, mas sem usurpar excessivamente o tempo dedicado à leitura do jornal, que acontece depois, enquanto tomo meu café.

Tudo ótimo, no melhor dos mundos. Até o dia em que me dei conta do seguinte: sem que esta fosse minha intenção, eu tinha selecionado só a mídia que pensa como eu – ou quase. Meu dia começava excessivamente feliz, com a sensação de que eu vivia (até que enfim) na paz de um consenso universal.

Mesmo na minha juventude, eu nunca tinha conhecido um tamanho sentimento de unanimidade. Naquela época, eu lia “L’Unità” e, a cada dia, identificava-me com o editorial. Não havia propriamente colunistas: a linguagem usada no jornal inteiro já continha e propunha uma visão do mundo. Ora, junto com “L’Unità” eu sempre lia mais um jornal – o “Corriere della Sera”, se eu estivesse em Milão, o “Journal de Genève”, em Genebra, e o “Le Monde”, em Paris. Nesses segundos jornais, eu verificava os fatos (não dava para acreditar nem mesmo no lado da gente) e assim esbarrava nos colunistas – em geral laicos e independentes, sem posições partidárias ou religiosas definidas.

Em sua grande maioria, eles não escreviam para convencer o leitor: preferiam levantar dúvidas, inclusive neles mesmos. E era isso que eu apreciava.

Hoje, os colunistas desse tipo ainda existem, embora sejam poucos. Eles estão mais na imprensa tradicional; na internet, duvidar não é uma boa ideia, porque é preciso criar e alimentar os consensos do “feed” do Face.

O “feed” do Face, elogiado por muitos por ser uma espécie de jornal sob medida, transforma-se, para cada um, numa voz única, um jornal que apresenta apenas uma visão, piorado por uma falsa sensação de pluralidade (produzida pelo número de links).

A gente se queixa que a mídia estaria difundindo uma versão única e parcial de fatos e ideias, mas a realidade é pior: não são os conglomerados, somos nós que, ao confeccionar um jornal de nossas notícias preferidas, criamos nosso próprio isolamento e vivemos nele. Como sempre acontece, somos nossos piores censores, os maiores inimigos de nossa possibilidade de pensar.

De um lado, o leitor do “feed” não se informa para saber o que aconteceu e decidir o que pensar, ele se informa para fazer grupo, para fazer parte de um consenso. Do outro, o comentarista escreve, sobretudo para ser integrado nesses consensos e para se tornar seu porta-voz. O resultado é uma escrita extrema, em que os escritores competem por leitores tanto mais polarizados que eles conseguiram excluir de seu “jornal” as notícias e as ideias com as quais eles poderiam não concordar: leitores à procura de quem pensa como eles.

Claro, que não é um caso de ignorância completa, mas a internet potencializa a vontade de se perder na opinião do grupo e de não pensar por conta própria. Essa vontade é a mesma que tínhamos no meu tempo de juventude – se não cresceu. O que temos, na verdade, é uma paixão pelo consenso.

Entre consensos opostos, obviamente, não há diálogo nem argumentos, só ódio.

Em suma, provavelmente, o resultado último da informação à la carte (que a internet e o “feed” facilitam) será a polarização e o tribalismo.

Eu mesmo me surpreendo: em geral, acho chatérrimos os profetas do apocalipse, que estão com medo de que o mundo se torne líquido ou coisa que valha. Mas, por uma vez, a contemporaneidade me deixa, digamos, pensativo.

Texto adaptado de: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalli-garis/2016/09/1817706-somos-os-maiores-inimigos-de-nossa-possibili-dade-de-pensar.shtml




Em relação às afirmações apresentadas a seguir, considerando para tanto a leitura do texto, assinale apenas a alternativa completamente correta.

  • A: No excerto “Naquela época, eu lia “L’Unità” e, a cada dia, identificava-me com o editorial.”, a expressão “naquela época” se refere à fase em que o autor do texto lia as notícias no feed do Facebook.
  • B: No excerto “Eles estão mais na imprensa tradicional [...]”, o pronome “eles” poderia ser substituído, sem prejuízos para o sentido expresso no texto, por “Os leitores”.
  • C: No excerto “[...] somos nós que, ao confeccionar um jornal de nossas notícias preferidas, criamos nosso próprio isolamento e vivemos nele.”, o termo “nele” se refere a “jornal”.
  • D: No excerto “Nesses segundos jornais, eu verificava os fatos [...]”, a expressão “nesses segundos jornais” se refere ao segundo jornal que o autor do texto lia diariamente, durante a sua juventude, juntamente com a leitura do “L’Unità”.
  • E: No excerto “Essa vontade é a mesma que tínhamos no meu tempo de juventude [...]”, a expressão “essa vontade” se refere à vontade que o autor tinha, na juventude, de se manter imparcialmente bem informado


Em relação aos pronomes destacados em “[...] a Assembleia emitiu um decreto pelo qual não era admissível expor o povo francês à visão de ‘monumentos elevados ao orgulho, ao preconceito e à tirania’ – melhor seria destruí-los.” e em “Será que é possível apreciá-la sem riscos morais?”, é correto afirmar que





  • A: ambos estão em posição proclítica.
  • B: ambos referenciam o objeto direto do verbo ao qual se anexam.
  • C: poderiam ser substituídos, respectivamente, por lhes e lhe.
  • D: ambos referenciam o objeto indireto do verbo ao qual se anexam.
  • E: ambos poderiam ser retirados do texto sem prejuízos sintáticos e para a compreensão deste.

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