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 TEXTO 1


      O vento gemera durante o dia todo e a chuva fustigara as janelas com tal fúria que mesmo ali, no coração da grande Londres feita de homens, éramos obrigados a afastar a mente da rotina da vida por um instante e reconhecer a presença daquelas grandes forças elementares que gritam para a humanidade através das grades de sua civilização, como animais indomáveis numa jaula. À medida que a noite se fechava, a tempestade ficava mais intensa e mais ruidosa; na chaminé, o vento chorava e soluçava como uma criança.
Adaptado de: Doyle, A. C. Um caso de Sherlock Holmes: as cinco sementes de laranja. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p. 142.




No trecho “[...] o vento chorava e  soluçava como uma criança.”, observa-se a presença de duas figuras de linguagem. São elas, respectivamente:

  • A: prosopopeia e comparação.
  • B: comparação e sinestesia.
  • C: sinestesia e metáfora.
  • D: metáfora e hipérbole.
  • E: hipérbole e prosopopeia.


       Poesia: a melhor autoajuda

Calma, esperançoso leitor, iludida leitora, não fiquem bravos comigo, mas ler autoajuda geralmente só é bom para os escritores de autoajuda. Pois não existe receita para ser feliz ou dar certo na vida.
Sabe por quê?
Porque, na maior parte das vezes, apenas você sabe o que é bom e serve para você. O que funciona para um nem sempre funciona para outro.
Os únicos livros de autoajuda que merecem respeito, e são úteis mesmo, são aqueles que ensinam novas receitas de bolo, como consertar objetos quebrados em casa ou como operar um computador. Ou seja, lidar com as coisas concretas, reais, exige um conhecimento também real, tintim por tintim, item por item.
Com gente é diferente. Gente não vem com manual de instruções quando nasce. Nem para viver nem para morrer.
E se você precisa de conforto ou conselhos, existem caminhos bem mais fáceis, boa parte deles de graça: igrejas, templos, botecos, amigos ou parentes… Lembrou? Se alguém anda necessitado de regras, palavras de ordem e comandos enérgicos sobre o que fazer, melhor entrar para o exército. Mas, se você não quer deixar ninguém mandar em você, tenha coragem e encare-se de frente. Não adianta fugir de seus medos, suas dores, suas fragilidades, suas tristezas. Elas sempre correm juntinho, coladas em você. Tentar ser perfeito, fazer o máximo, transformar-se em outro dói mais ainda. Colar um sorriso no rosto, enquanto chora por dentro, é para palhaço de circo.
Portanto, entregue-se, seja apenas um ser humano cheio de dúvidas e certezas, alegrias e afli- ções. Aproveite e use algo que, isso sim, com certeza é igual em todos nós: a capacidade de imaginar, de voar, se entregar. Se nem Freud explica, tente a poesia.
A poesia vai resolver seus problemas existenciais? Provavelmente, não. A poesia, às vezes, é como aquele bordão do Chacrinha, não veio para explicar, mas para confundir. Quando acerta, é por acaso, como na vida. Ficar confuso é o normal, relaxe e aproveite. Selecionamos alguns trechos de poemas que provavelmente falam das respostas que você anda procurando em livros de autoajuda. Tomara que ajudem.
O próprio pai da Psicanálise, Sigmund Freud [...], admitiu que, aonde quer que ele fosse ou olhasse, um poeta já havia passado por ali. Então, venha junto com os poetas que indicamos aqui. O sábio poeta Mário Quintana já dizia que um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente… e não a gente a ele. [...] Poesia está mais para lição de vida que lição de casa. E depois vá em frente. Procure outros poetas. Estão todos na livraria, biblioteca ou página da internet mais próxima. Você nunca mais estará tão sozinho a ponto de achar que precisa de um livro de autoajuda para mostrar o caminho das pedras. TAVARES, Ulisses. Discutindo Literatura. Escala Educacional. São Paulo, ano 2, n. 8. p. 20-21. Adaptado.

Na sentença “Sabe por quê?" (L. 5, Texto I), a palavra destacada é um pronome interrogativo. Em qual das sentenças há também pronome interrogativo?
  • A: O portão por que você passou quebrou.
  • B: O porquê da escola é ensinar.
  • C: O motivo por que não vou à cidade é particular.
  • D: Eu vou à cidade porque me pediram.
  • E: Gostaria de saber por que você não quer ir ao cinema.

O pronome oblíquo está colocado de acordo com a norma-padrão em:
  • A: Não aprende-se poesia de um dia para o outro.
  • B: Sempre pergunto-me o que é ser feliz.
  • C: Você acha que Freud explicaria-lhe algo?
  • D: O poeta arrependeu-se de emprestar o livro.
  • E: Quem encara-se de frente é mais realista.



Assinale a alternativa correta considerando a função da linguagem em “Não te surpreendes que haja vida noutros planetas?”.





  • A: Emotiva
  • B: Poética.
  • C: Fática.
  • D: Metalinguística.
  • E: Conativa.

A palavra a, na língua portuguesa, pode ser grafada de três formas distintas entre si, sem que a pronúncia se altere: a, à, há. No entanto, significado e classe gramatical dessas palavras variam. A frase abaixo deverá sofrer algumas alterações nas palavras em destaque para adequar-se à norma-padrão. A muito tempo não vejo a parte da minha família a qual foi deixada de herança a fazenda a que todos devotavam grande afeto. De acordo com a norma-padrão, a correção implicaria, respectivamente, esta sequência de palavras:
  • A: A - a - à - há - à
  • B: À - à - a - a - a
  • C: Há - a - à - a - a
  • D: Há - à - à - a - a
  • E: Há - a - a - à - à

Obrigado, Tarso Genro

O ministro dá refúgio a terrorista condenado, cria terremoto diplomático e é acusado de agir movido só por ideologia – mas pode ter tido boas razões

A decisão do titular da Justiça, Tarso Genro, de conceder refúgio político ao italiano Cesare Battisti abriu uma fenda diplomática nas relações do Brasil com a Itália e empurrou o ministro para o paredão: Tarso, metralharam seus críticos, teria se precipitado e tomado a decisão com base em simpatias ideológicas. Faz sentido. Battisti foi condenado em seu país à prisão perpétua pela morte de quatro pessoas quando encabeçava um grupo extremista de esquerda, os Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). Ao recusar-se a extraditá-lo para a Itália como criminoso, optando por abrigá-lo no Brasil na condição de perseguido político, Tarso Genro dispensou o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e contrariou dois pareceres, ambos emitidos por órgãos técnicos e insuspeitos: o Comitê Nacional para os Refugiados e a Procuradoria-Geral da República. Além disso, o ministro já havia dado mostras recentes de que, se ninguém o segura, ele se deixa facilmente levar pelo caminho obscuro das convicções esquerdistas. Em outubro, ele propôs a revisão da Lei da Anistia com o intuito de punir torturadores do regime militar, um surto de revanchismo e inoportunidade que provocou reações até mesmo dentro do governo. Tarso só recuou depois de um puxão de orelhas dado pelo presidente Lula. Tudo isso somado contribuiu para que se concluísse que a concessão do refúgio ao italiano foi mais uma das reações ideológicas automáticas do ministro. Nesse caso, no entanto, a hipótese de que Tarso Genro tenha tomado uma decisão correta não pode ser descartada sem um exame mais minucioso.

Battisti nega que tenha participado ou ordenado os assassinatos pelos quais foi condenado. “Não matei ninguém e abandonei o grupo quando o PAC se decidiu pela luta armada”, vem repetindo Battisti há mais de dez anos. Tarso afirma ter estudado o processo do italiano a fundo, durante seus quatorze dias de férias de fim de ano (é de esperar agora que tenha o mesmo cuidado quando lhe chegar às mãos um processo contra alguém acusado de ter sido torturador da ditadura). Diz ter terminado a análise convencido de que “exceções legais”, criadas pelo estado italiano no ambiente de convulsão social que aquele país vivia no fim dos anos 70, podem ter prejudicado a defesa de Battisti. Cita como exemplo o fato de sua condenação ter se baseado unicamente no depoimento de uma pessoa – Pietro Mutti, também integrante do PAC, que fez suas acusações no contexto de um programa de delação premiada. Se o ministro estiver certo, terá ajudado a reparar uma injustiça que dificilmente poderia ser corrigida pela Justiça italiana, uma vez que Mutti mudou de identidade e hoje vive em lugar não sabido. Se estiver errado, porém, terá deixado à solta um assassino que executou pessoas apenas por discordarem de sua organização terrorista. Tarso deixou a porta aberta para rever o caso se surgirem provas mais contundentes contra o italiano.

Texto extraído da Revista Veja, edição 2096, ano 42, n. 3, de 21 de janeiro de 2009. p. 73



Assinale a alternativa correta. De acordo com a estrutura do texto, é possível afirmar que ele está centrado na função




  • A: referencial da linguagem.
  • B: emotiva da linguagem.
  • C: conativa da linguagem.
  • D: fática da linguagem.
  • E: metalingüística da linguagem.



Uma importante função do pronome é promover a coesão textual, como se verifica no trecho abaixo retirado do Texto II. A esse respeito, considere o emprego do pronome destacado em: “Elas atuam no rosto e contra a queda de cabelo." (L.19-20).
O referente do pronome destacado, nesse contexto, é
  • A: células
  • B: pesquisas
  • C: feridas graves
  • D: fórmulas manipuladas de cosméticos
  • E: especialistas


Unesco: mundo precisará mudar consumo para garantir
                                                                abastecimento de água
                                                                                                                                                                    20/03/15


        Relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) mostra que há no mundo água suficiente para suprir as necessidades de crescimento do consumo, “mas não sem uma mudança dramática no uso, gerenciamento e compartilhamento". Segundo o documento, a crise global de água é de governança, muito mais do que de disponibilidade do recurso, e um padrão de consumo mundial sustentável ainda está distante.
        De acordo com a organização, nas últimas décadas o consumo de água cresceu duas vezes mais do que a população e a estimativa é que a demanda cresça ainda 55% até 2050. Mantendo os atuais padrões de consumo, em 2030 o mundo enfrentará um déficit no abastecimento de água de 40%. Os dados estão no Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento de Recursos Hídricos 2015 – Água para um Mundo Sustentável.
     O relatório atribui a vários fatores a possível falta de água, entre eles, a intensa urbanização, as práticas agrícolas inadequadas e a poluição, que prejudica a oferta de água limpa no mundo. A organização estima que 20% dos aquíferos estejam explorados acima de sua capacidade. Os aquíferos, que concentram água no subterrâneo e abastecem nascentes e rios, são responsáveis atualmente por fornecer água potável à metade da população mundial e é de onde provêm 43% da água usada na irrigação.
     Os desafios futuros serão muitos. O crescimento da população está estimado em 80 milhões de pessoas por ano, com estimativa de chegar a 9,1 bilhões em 2050, sendo 6,3 bilhões em áreas urbanas. A agricultura deverá produzir 60% a mais no mundo e 100% a mais nos países em desenvolvimento até 2050. A demanda por água na indústria manufatureira deverá quadruplicar no período de 2000 a 2050.
      Segundo a oficial de Ciências Naturais da Unesco na Itália, Angela Ortigara, integrante do Programa Mundial de Avaliação da Água (cuja sigla em inglês é WWAP) e que participou da elaboração do relatório, a intenção do documento é alertar os governos para que incentivem o consumo sustentável e evitem uma grave crise de abastecimento no futuro. “Uma das questões que os países já estão se esforçando para melhorar é a governança da água. É importante melhorar a transparência nas decisões e também tomar medidas de maneira integrada com os diferentes setores que utilizam a água. A população deve sentir que faz parte da solução."
      Cada país enfrenta uma situação específica. De maneira geral, a Unesco recomenda mudanças na administração pública, no investimento em infraestrutura e em educação. “Grande parte dos problemas que os países enfrentam, além de passar por governança e infraestrutura, passa por padrões de consumo, que só a longo prazo conseguiremos mudar, e a educação é a ferramenta para isso", diz o coordenador de Ciências Naturais da Unesco no Brasil, Ary Mergulhão.
     No Brasil, a preocupação com a falta de água ganhou destaque com a crise hídrica no Sudeste. Antes disso, o país já enfrentava problemas de abastecimento, por exemplo no Nordeste. Ary Mergulhão diz que o Brasil tem reserva de água importante, mas deve investir em um diagnóstico para saber como está em termos de política de consumo, atenção à população e planejamento. “É um trabalho contínuo. Não quer dizer que o país que tem mais ou menos recursos pode relaxar. Todos têm que se preocupar com a situação.
    O relatório será mundialmente lançado hoje (20) em Nova Délhi, na Índia, antes do Dia Mundial da Água (22). O documento foi escrito pelo WWAP e produzido em colaboração com as 31 agências do sistema das Nações Unidas e 37 parceiros internacionais da ONU-Água. A intenção é que a questão hídrica seja um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que vêm sendo discutidos desde 2013, seguindo orientação da Conferência Rio+20 e que deverão nortear as atividades de cooperação internacional nos próximos 15 anos.


                                                                   Texto adaptado - Fonte: http://afolhasaocarlos.com.br/noticias/
                                                                                                                    ver_noticia/5215/controler:noticias 



Assinale a alternativa que trata da temática do texto.
  • A: Cantareira: uma preocupação mundial, apesar de os níveis de água terem aumentado nos últimos meses.
  • B: Preocupação com a falta de água futura no mundo e mudanças para o consumo sustentável.
  • C: Aquecimento global e discussões para a preservação do Meio ambiente.
  • D: Falta de água no Nordeste e Sudeste do Brasil.
  • E: Educação como chave para um mundo melhor.


 A lista de desejos                                                                                                     Rosely Sayao

      Acabou a graça de dar presentes em situações de comemoração e celebração, não é? Hoje, temos listas para quase todas as ocasiões: casamento, chá de cozinha e seus similares – e há similares espantosos, como chá de lingerie –, nascimento de filho e chá de bebê, e agora até para aniversário.

     Presente para os filhos? Tudo eles já pediram e apenas mudam, de vez em quando ou frequentemente, a ordem das suas prioridades. Quem tem filho tem sempre à sua disposição uma lista de pedidos de presentes feita por ele, que pode crescer diariamente, e que tanto pode ser informal quanto formal.

     A filha de uma amiga, por exemplo, tem uma lista na bolsa escrita à mão pelo filho, que tem a liberdade de sacá-la a qualquer momento para fazer as mudanças que ele julgar necessárias. Ah! E ela funciona tanto como lista de pedidos como também de “checklist" porque, dessa maneira, o garoto controla o que já recebeu e o que ainda está por vir. Sim: essas listas são quase uma garantia de conseguir ter o pedido atendido.

     Ninguém mais precisa ter trabalho ao comprar um presente para um conhecido, para um colega de trabalho, para alguma criança e até amigo. Sabe aquele esforço de pensar na pessoa que vai receber o presente e de imaginar o que ela gostaria de ganhar, o que tem relação com ela e seu modo de ser e de viver? Pois é: agora, basta um telefonema ou uma passada rápida nas lojas físicas ou virtuais em que as listas estão, ou até mesmo pedir para uma outra pessoa realizar tal tarefa, e pronto! Problema resolvido!

    Não é preciso mais o investimento pessoal do pensar em algo, de procurar até encontrar, de bater perna e cabeça até sentir-se satisfeito com a escolha feita que, além de tudo, precisaria estar dentro do orçamento disponível para tal. Hoje, o presente custa só o gasto financeiro e nem precisa estar dentro do orçamento porque, para não transgredir a lista, às vezes é preciso parcelar o presente em diversas prestações...

       E, assim que os convites chegam, acompanhados sem discrição alguma das listas, é uma correria dos convidados para efetuar sem demora sua compra. É que os presentes menos custosos são os primeiros a serem ticados nas listas, e quem demora para cumprir seu compromisso acaba gastando um pouco mais do que gostaria.

      Se, por um lado, dar presentes deixou de dar trabalho, por outro deixou também totalmente excluído do ato de presentear o relacionamento entre as pessoas envolvidas. Ganho para o mercado de consumo, perda para as relações humanas afetivas.

 Os presentes se tornaram impessoais, objetos de utilidade ou de luxo desejados. Acabou-se o que era doce no que já foi, num passado recente, uma demonstração pessoal de carinho.

     Sabe, caro leitor, aquela expressão de surpresa gostosa, ou de um pequeno susto que insiste em se expressar, apesar da vontade de querer que ele passe despercebido, quando recebíamos um mimo? Ou aquela frase transparente de criança, que nunca deixa por menos: “Eu não quero isso!"? Tudo isso acabou. Hoje, tudo o que ocorre é uma operação mental dupla. Quem recebe apenas tica algum item da lista elaborada, e quem presenteia dá-se por satisfeito por ter cumprido seu compromisso.

    Que tempos mais chatos. Resta, a quem tiver coragem, a possibilidade de transgredir essas tais listas. Assim, é possível tornar a vida mais saborosa.

                                                                                    Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/colunas/
roselysayao/2014/07/1489356-a-lista-de-desejos.shtml



Qual das alternativas a seguir apresenta, explicitamente, a busca da autora em manter um diálogo com o interlocutor de seu texto?
  • A: “E, assim que os convites chegam, acompanhados sem discrição alguma das listas, é uma correria dos convidados para efetuar sem demora sua compra.”.
  • B: “Hoje, tudo o que ocorre é uma operação mental dupla.”.
  • C: “Ninguém mais precisa ter trabalho ao comprar um presente para um conhecido, para um colega de trabalho, para alguma criança e até amigo.”.
  • D: “Sabe, caro leitor, aquela expressão de surpresa gostosa, ou de um pequeno susto que insiste em se expressar, apesar da vontade de querer que ele passe despercebido, quando recebíamos um mimo?”.
  • E: “Quem recebe apenas tica algum item da lista elaborada, e quem presenteia dá-se por satisfeito por ter cumprido seu compromisso.”.


 A vida de um homem normal

Uma noite, voltando de metrô para casa, como fazia cinco vezes por semana, onze meses por ano, ele ouviu uma voz. Estava exausto, com o nó da gravata frouxo no pescoço, o colarinho desabotoado, a cabeça jogada para trás, o walkman a todo o volume e os fones enterrados nos ouvidos. De repente, antes mesmo de poder perceber a interrupção, a música que vinha ouvindo cessou sem explicações e, ao cabo de um breve silêncio, no lugar dela surgiu uma voz que ele não sabia nem como, nem de quem, nem de onde. Ergueu a cabeça. Olhou para os lados, para os outros passageiros. Mas era só ele que a ouvia. Falava aos seus ouvidos. Recompôs-se. A voz lhe disse umas tantas coisas, que ele ouviu com atenção, que era justamente o que ela pedia. Poderia ter cutucado o vizinho de banco. Poderia ter saído do metrô e corrido até em casa para anunciar o fato extraordinário que acabara de acontecer. Poderia ter sido tomado por louco e internado num hospício. Poderia ter passado o resto da vida sob o efeito de tranquilizantes. Poderia ter perdido o emprego e os amigos. Poderia ter vivido à margem, isolado, abandonado pela família, tentando convencer o mundo do que a voz lhe dissera. Poderia não ter tido os filhos e os netos que acabou tendo. Poderia ter fundado uma seita. Poderia ter feito uma guerra. Poderia ter arregimentado seus seguidores entre os mais simples, os mais fracos e os mais idiotas. Poderia ter sido perseguido. Poderia ter sido preso. Poderia ter sido assassinado, crucificado, martirizado. Poderia vir a ser lembrado séculos depois, como líder, profeta ou fanático. Tudo por causa da voz. Mas entre os mandamentos que ela lhe anunciou naquela primeira noite em que voltava de metrô para casa, e que lhe repetiu ao longo de mais cinquenta e tantos anos em que voltou de metrô para casa, o mais peculiar foi que não a mencionasse a ninguém, em hipótese alguma. E, como ele a ouvia com atenção, ao longo desses cinquenta e tantos anos nunca disse nada a ninguém, nem à própria mulher quando chegou em casa da primeira vez, muito menos aos filhos quando chegaram à idade de saber as verdades do mundo. Acatou o que lhe dizia a voz. Continuou a ouvi-la todos os dias, sempre com atenção, mas para os outros era como se nunca a tivesse ouvido, que era o que ela lhe pedia. Morreu cinquenta e tantos anos depois de tê-la ouvido pela primeira vez, sem que ninguém nunca tenha sabido que a ouvia, e foi enterrado pelos filhos e netos, que choraram em torno do túmulo a morte de um homem normal. CARVALHO, Bernardo. A vida de um homem normal. In: Boa companhia: contos. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 11-12.

O emprego do pronome lhe respeita algumas regras sintáticas, conforme ocorreu no trecho abaixo, retirado do Texto I. “Poderia ter vivido à margem, isolado, abandonado pela família, tentando convencer o mundo do que a voz lhe dissera." (L. 22-24) O pronome lhe está também empregado de acordo com a norma-padrão no seguinte período:
  • A: Nunca lhe vejo cedo por aqui.
  • B: Nós lhe encontraremos amanhã.
  • C: Posso devolver-lhe o livro agora?
  • D: Não lhe visito porque não posso.
  • E: Todos lhe aguardavam apreensivos.

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