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Texto CB1A1-II


“Minha avó contava que os negros de Lagoa Funda chegaram num tempo que ninguém sabia dizer. Cada um tinha sua tapera, tinham suas roças, plantavam na vazante do rio São Francisco. Os filhos iam nascendo e iam fazendo suas casinhas e botando suas roças onde os pais já tinham. Durante muito tempo, não houve nada nem ninguém por aquelas bandas. Eram só o povo e Deus. Depois chegou a Igreja e disse que as terras da cidade lhe pertenciam. Não demorou muito e chegou até Lagoa Funda e tudo o que estava em volta da cidade. Disse que nossa terra pertencia à igreja também.”

(...)

“A igreja marcou com ferro as árvores com um B e um J de Bom Jesus. Marcou tudo o que podia. Disse que as terras pertenciam à Igreja e nós éramos escravos do Bom Jesus. Bom, o povo estranhou, porque não se falava de escravidão em Lagoa Funda. Minha avó disse que sabiam de escravos em outros lugares, mas não ali. Nunca houve escravo naquela terra. Todos se consideravam livres, e hoje eu penso nas coisas que o finado Severo, seu pai, dizia: se os negros vieram para o Brasil para ser escravos, Lagoa Funda deve ter começado com o povo que fugiu de alguma fazenda ou ganhou liberdade de um algum fazendeiro. Mas ali ninguém quis falar sobre isso. Todo mundo nascia livre, sem dono. Apagaram essa lembrança do cativeiro.”

(...)

“Depois que marcaram tudo com o nome do Bom Jesus — eu vi muito pé de tudo, de jatobá a oitizeiro, com marca de ferro do Bom Jesus — e disseram que eram escravos do Bom Jesus, o povo ainda viveu como antes por muitos anos. Mas depois os fazendeiros chegaram mostrando documentos, e foram cercando as terras, o povo resistindo, muita gente morreu, e terminaram por ficar espremidos num cantinho. Minha mãe e meu pai foram para a Fazenda Caxangá, onde conheci seu avô, nessa época que cercaram as terras” (...).


Itamar Vieira Júnior. Torto arado. 1.ª ed. São Paulo: Todavia, 2029, p. 227 – 229 (com adaptações).

Considerando os sentidos e aspectos linguísticos do texto CB1A1-II, assinale a opção correta.
  • A: Dadas as relações coesivas do primeiro parágrafo, o segmento ‘lhe pertenciam’ (antepenúltimo período) poderia ser, correta e coerentemente, substituído por pertenciam à ela.
  • B: No segmento ‘se os negros vieram para o Brasil para ser escravos’ (segundo parágrafo), o emprego do vocábulo ‘se’, associado ao teor de todo o parágrafo, indica dúvida em relação ao cativeiro no Brasil.
  • C: Na oração ‘porque não se falava de escravidão em Lagoa Funda’ (segundo parágrafo), a partícula ‘se’ indica que a oração está construída na voz passiva pronominal.
  • D: No período ‘Nunca houve escravo naquela terra.’ (segundo parágrafo), a flexão da forma verbal ‘houve’ na terceira pessoa do singular justifica-se por sua concordância com o termo ‘escravo’, que é o sujeito da oração.
  • E: No penúltimo período do último parágrafo, o sujeito referencial da forma verbal ‘terminaram’ é o termo ‘povo’, tomado em sentido plural no texto.

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