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Memória de longe

Ao longo da vida, nossas lembranças não apenas se renovam, segundo os fatos que vão acontecendo. A faculdade da memória, em seu misterioso processo, muda de natureza. Na velhice, a memória costuma priorizar as lembranças mais antigas segundo necessidades novas. É o que confirma o caso seguinte.
Meu muito velho vizinho estava morrendo. Ciente de seu estado, pediu que chamassem o filho longínquo, que há tanto tempo estava sem ver, já perdera a conta dos anos. Chamaram, e o filho José se pôs a caminho, ele mesmo, seu filho predileto, o filho Zezito. E o José enfim chegou de sua longa viagem de avião, respondendo contristado ao apelo paterno. Surgiu no quarto penumbroso, achegou-se ao leito, os cabelos e os bigodes já grisalhando contra a luz do abajur.
A filha alertou o velho:
– Olha, aí, pai, o Zezito chegou. Pertinho de você.
O velho entreabriu os olhos turvos e já ia estendendo um braço, quando então o recolheu, murmurando num tom irritado:
– Esse aí não é o Zezito, não! Cadê o Zezito?
Horas depois o velho vizinho partiu. Sem se despedir de ninguém, nem mesmo do menino que há tanto, tanto tempo perdera de vista.

(Jesualdo Calixto, inédito)


O caso narrado no texto é relatado para demonstrar que, como costuma ocorrer na velhice, a memória mais antiga
  • A: dá aos fatos mais remotos um novo contorno, no qual se perde todo o valor que tiveram.
  • B: esfuma-se sob as pressões mais recentes, antecipando assim o final de uma vida.
  • C: torna-se exclusiva, podendo mesmo eliminar a consciência do tempo que já correu.
  • D: traz de novo aos nossos olhos uma imagem realista do que julgávamos esquecido.
  • E: tende a continuar imaginariamente no tempo, compondo uma nova história.

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