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Um filme publicitário traz um ator interpretando um boçal no pavilhão de uma Bienal. O almofadinha, vestindo pulôver escuro com gola rolê, cita autores como Nietzsche e Méliès, entre outros, para compor um discurso afetado e vazio por meio do qual definia uma suposta obra de arte. É o velho clichê do crítico intelectual.
Vi a propaganda no mesmo dia em que a Câmara Brasileira do Livro e a Amazon anunciaram uma nova categoria do prêmio Jabuti: a dos melhores romances, contos, crônicas e poesia, na opinião dos leitores.
O prêmio da Escolha do Leitor foi anunciado em tom de inovação democrática. O mesmo argumento tem sustentado algumas das estratégias de mercado draconianas de grandes corporações de internet. Afinal, dá-se voz ao leitor, que agora pode pôr em xeque decisões arbitrárias de um punhado de críticos que não representam a opinião da maioria.
Nesse sentido, a Escolha do Leitor menos inova do que aperfeiçoa uma tendência que já coroava as edições anteriores do prêmio: o Livro do Ano. Escolhido pelos livreiros, ele contempla os títulos com mais chances de corresponder às expectativas do mercado, muitas vezes contrariando os resultados das categorias literárias.
A principal ressalva à inovação democrática do Jabuti, entretanto, é que já existe um prêmio do leitor. Ele se chama lista dos mais vendidos e é outorgado no mundo inteiro. É claro que há diferenças. A favor da nova categoria, deve-se dizer que o
leitor elegerá títulos apenas entre os finalistas. Ou seja, pela via do meio, o novo prêmio atenderia ao mercado sem exonerar a crítica.
Mas, então, por que prêmios literários prestigiados mundo afora ignoram a opinião da maioria? A resposta é simples. A despeito de seus eventuais equívocos (e não são poucos), os prêmios literários não foram criados para corresponder a critérios objetivos de mercado.
Os prêmios literários são asserções (com frequência, inerciais; às vezes, justas e corajosas -e a coragem não costuma ser fruto do consenso) sobre o que um grupo de pessoas, selecionadas por motivos nem sempre claros ou acertados, acredita que deve ser defendido em termos de subjetividade e exceção.
Ao atribuir o prêmio de literatura a Bob Dylan, por exemplo, o Nobel tomou uma decisão idiossincrática, mas que exalta o que há de subjetivo tanto em escrever como em ler e premiar literatura.
Ao contrário, exceção e subjetividade não fazem parte do vocabulário das grandes corporações de internet. É o que torna tanto mais curioso que um dos poucos prêmios literários brasileiros de prestígio tenha incorporado a lógica pleonástica dos algoritmos que estruturam a rede (o que mais se lê também é cada vez mais lido). Não é mais uma perspectiva subjetiva,
mas sim uma forma de endossar a premissa de que não se deve contrariar o gosto do "leitor" (seja ele quem for, de preferência uma média que represente muitos).
Hoje, mais do que nunca, soa antipático e antidemocrático pôr em dúvida essa ideia generalizada de leitor. Mas fazer o indivíduo acreditar que não precisa se esforçar para entender o que lhe escapa ou o que o contraria (como propõe a propaganda da Bienal) tem menos a ver com o respeito pela formação de um leitor ou um espectador autônomo, reflexivo, do que com a sua redução a potencial de lucro e com o estreitamento correlato de seus horizontes intelectuais e subjetivos.
(Adaptado de: CARVALHO, Bernardo. “A opinião dos leitores e a crítica”. Disponível em: folha.uol.com.br. Acesso em: 10/3/2018)
O segmento que assinala noção de finalidade está em:
  • A: selecionadas por motivos nem sempre claros ou acertados (7º parágrafo)
  • B: a Escolha do Leitor menos inova do que aperfeiçoa uma tendência (4º parágrafo)
  • C: mas que exalta o que há de subjetivo tanto em escrever como em ler e premiar literatura (8º parágrafo)
  • D: o respeito pela formação de um leitor ou um espectador autônomo (último parágrafo)
  • E: para compor um discurso afetado e vazio (1º parágrafo)

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