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Leia o texto, para responder à questão.



Quem se espanta com o espetáculo de horror diversificado que o mundo de hoje oferece faria bem se tivesse o dicionário como livro de leitura diurna e noturna. Pois ali está, na letra M, a chave do temperamento homicida, que convive no homem com suas tendências angélicas, e convive em perfeita harmonia de namorados.



O consulente verá que matar é verbo copiosamente conjugado por ele próprio, não importa que cultive a mansuetude, a filantropia, o sentimentalismo; que redija projetos de paz universal, à maneira de Kant, e considere abominações o assassínio e o genocídio. Vive matando.



A ideia de matar é de tal modo inerente ao homem que, à falta de atentados sanguinolentos a cometer, ele mata calmamente o tempo. Sua linguagem o trai. Por que não diz, nas horas de ócio e recreação ingênua, que está vivendo o tempo? Prefere matá-lo.



Todos os dias, mais de uma vez, matamos a fome, em vez de satisfazê-la. O estudante que falta à classe confessa que matou a aula, o que implica matança do professor, da matéria e, consequentemente, de parte do seu acervo individual de conhecimento, morta antes de chegar a destino. No jogo mais intelectual que se conhece, pretende-se não apenas vencer o competidor, mas liquidá-lo pela aplicação de xeque-mate. Não admira que, nas discussões, o argumento mais poderoso se torne arma de fogo de grande eficácia letal: mata na cabeça.



Beber um gole no botequim, ato de aparência gratuita, confortador e pacificante, envolve sinistra conotação. É o mata-bicho, indiscriminado. Matar charadas constitui motivo de orgulho intelectual para o matador.



Se a linguagem espelha o homem, e se o homem adorna a linguagem com tais subpensamentos de matar, não admira que os atos de banditismo, a explosão intencional de aviões, o fuzilamento de reféns, o bombardeio aéreo de alvos residenciais, os pogroms, o napalm, as bombas A e H, a variada tragédia dos dias modernos se revele como afirmação cotidiana do lado perverso do ser humano.



Admira é que existam a pesquisa de antibióticos, Cruz Vermelha Internacional, Mozart, o amor.



(Carlos Drummond de Andrade, O verbo matar. Poesia e Prosa. Adaptado.)

Em relação ao conjunto do texto, a afirmação contida no último parágrafo representa
  • A: um contraponto, com a apresentação de elementos em que se destacam aspectos incompatíveis com a ideia de matar.
  • B: um contrassenso, com a apresentação de elementos de diferentes naturezas, sem um aspecto comum que os aproxime.
  • C: uma conclusão lógica, indissociável do contexto anterior, por reforçar os pressupostos nele afirmados.
  • D: um questionamento pertinente, por lançar ideias novas acerca das potencialidades da linguagem.
  • E: uma abordagem filosófica do tema, com a explicitação de um juízo moral acerca da ideia de morte.

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