Questões

Filtrar por:

limpar filtros

Foram encontradas 1 questões.


   Assassinos culturais
 
      Sou um assassino cultural, e você também é. Sei que é romântico chorar quando uma livraria fecha as portas. Mas convém não abusar do romantismo – e da hipocrisia. Fomos nós que matamos aquela livraria e o crime não nos pesa muito na consciência.
      Falo por mim. Os livros físicos que entram lá em casa são cada vez mais ofertas – de amigos ou editoras.
      Aos 20, quando viajava por territórios estranhos, entrava nas livrarias locais como um faminto na capoeira. Comprava tanto e carregava tanto que desconfio que o meu problema de ciática é, na sua essência, um problema livresco.
      Hoje? Gosto da flânerie*. Mas depois, fotografo as capas com o meu celular antes de regressar para o psicanalista – o famoso dr. Kindle. Culpado? Um pouco. E em minha defesa só posso afirmar que pago pelos meus vícios.
      E quem fala em livrarias, fala em todo o resto. Eu também ajudei a matar a Tower Records e a Virgin Megastore. Havia lá dentro uma bizarria chamada CD – você se lembra?
      Hoje, com alguns aplicativos, tenho uma espécie de discoteca de Alexandria onde, a meu bel-prazer, escuto meus clássicos e descubro novos.
      Se juntarmos ao pacote o iTunes e a Netflix, você percebe por que eu também tenho o sangue dos cinemas e dos blockbusters nas mãos.
      Eis a realidade: vivemos a desmaterialização da cultura. Mas não é apenas a cultura que se desmaterializa e tem deixado as nossas salas e estantes mais vazias. É a nossa relação com ela. Não somos mais proprietários de “coisas”; somos apenas consumidores e, palavra importante, assinantes.
      O livro “Subscribed”, de Tien Tzuo, analisa a situação. É uma reflexão sobre a “economia de assinaturas” que conquista a economia global. Conta o autor que mais de metade das empresas da famosa lista da “Fortune” já não existiam em 2017. O que tinham em comum? O objetivo meritório de vender “coisas” – muitas coisas, para muita gente, como sempre aconteceu desde os primórdios do capitalismo.
      Já as empresas que sobreviveram e as novas que entraram na lista souberam se adaptar à economia digital, vendendo serviços (ou, de forma mais precisa, acessos).
      Claro que na mudança algo se perde. O desaparecimento das livrarias não acredito que seja total no futuro (e ainda bem). Além disso, ler no papel não é o mesmo que ler na tela. Mas o interesse do livro de Tzuo não está apenas nos números; está no retrato de uma nova geração para quem a experiência cultural é mais importante do que a mera posse de objetos.
      Há quem veja aqui um retrocesso, mas também é possível ver um avanço – ou, para sermos bem filosóficos, o triunfo do espírito sobre a matéria. E não será essa, no fim das contas, a vocação mais autêntica da cultura?
          (João Pereira Coutinho. Folha de S.Paulo, 28.08.2018. Adaptado)
* Flânerie: ato de passear, de caminhar sem compromisso.



Na frase do terceiro parágrafo – Comprava tanto e carregava tanto que desconfio que o meu problema de ciática é, na sua essência, um problema livresco. –, o autor
  • A: faz uma suposição e cita uma consequência.
  • B: expressa uma crítica e analisa uma contradição.
  • C: expõe uma convicção e faz uma reiteração.
  • D: levanta uma hipótese e ressalta uma concessão.
  • E: desfaz um equívoco e apresenta uma conclusão.

Exibindo de 1 até 1 de 1 questões.