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Texto 13A1AAA
1 No fim do século XVIII e começo do XIX, a despeito
de algumas grandes fogueiras, a melancólica festa de punição
de condenados foi-se extinguindo. Em algumas dezenas
4 de anos, desapareceu o corpo como alvo principal da repressão
penal: o corpo supliciado, esquartejado, amputado, marcado
simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou morto,
7 dado como espetáculo. Ficou a suspeita de que tal rito que dava
um “fecho” ao crime mantinha com ele afinidades espúrias:
igualando-o, ou mesmo ultrapassando-o em selvageria,
10 acostumando os espectadores a uma ferocidade de que todos
queriam vê-los afastados, mostrando-lhes a frequência dos
crimes, fazendo o carrasco se parecer com criminoso, os juízes
13 com assassinos, invertendo no último momento os papéis,
fazendo do supliciado um objeto de piedade e de admiração.
A punição vai-se tornando a parte mais velada do
16 processo penal, provocando várias consequências: deixa o
campo da percepção quase diária e entra no da consciência
abstrata; sua eficácia é atribuída à sua fatalidade, não à sua
19 intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar
o homem do crime, e não mais o abominável teatro.
Sob o nome de crimes e delitos, são sempre julgados
22 corretamente os objetos jurídicos definidos pelo Código.
Porém julgam-se também as paixões, os instintos, as anomalias,
as enfermidades, as inadaptações, os efeitos de meio ambiente
25 ou de hereditariedade. Punem-se as agressões, mas, por meio
delas, as agressividades, as violações e, ao mesmo tempo, as
perversões, os assassinatos que são, também, impulsos e
28 desejos. Dir-se-ia que não são eles que são julgados; se são
invocados, é para explicar os fatos a serem julgados e
determinar até que ponto a vontade do réu estava envolvida no
31 crime. As sombras que se escondem por trás dos elementos da
causa é que são, na realidade, julgadas e punidas.
O juiz de nossos dias — magistrado ou jurado — faz
34 outra coisa, bem diferente de “julgar”. E ele não julga mais
sozinho. Ao longo do processo penal, e da execução da pena,
prolifera toda uma série de instâncias anexas. Pequenas justiças
37 e juízes paralelos se multiplicaram em torno do julgamento
principal: peritos psiquiátricos ou psicológicos, magistrados da
aplicação das penas, educadores, funcionários da administração
40 penitenciária fracionam o poder legal de punir. Dir-se-á,
no entanto, que nenhum deles partilha realmente do direito de
julgar; os peritos não intervêm antes da sentença para fazer um
43 julgamento, mas para esclarecer a decisão dos juízes. Todo o
aparelho que se desenvolveu há anos, em torno da aplicação
das penas e de seu ajustamento aos indivíduos, multiplica as
46 instâncias da decisão judiciária, prolongando-a muito além da
sentença.


Michel Foucault. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. Raquel
Ramalhete. Petrópolis, Vozes, 1987, p. 8-26 (com adaptações)

Com relação aos aspectos linguísticos e aos sentidos do texto 13A1AAA, julgue o item a seguir.

O autor do texto reflete sobre a evolução histórica da justiça: a punição de condenados, que, de início, ocorria mediante dores físicas passou, a partir dos princípios do século XIX, a ter caráter mais moral, submetendo os réus a sofrimentos mais sutis, mais velados.
  • A: Certo
  • B: Errado

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